quinta-feira, 17 de julho de 2014

Relato de parto da Elis - visão da doula Patrícia Merlin

Olha só que privilégio: Elis tem dois relatos de parto. Um feito por mim e outro feito pela nossa doula, a Patrícia Merlin. O relato dela ficou tão lindo e completinho que não tinha simplesmente como inserir as informações no outro. Vai inteirinho, mesmo.

A cada vez que leio tudo isso, é como se passasse novamente pela experiência. E quero ler pelo menos uma vez por semana até o fim da vida, para não esquecer quão difícil, especial e completo foi.

"Chegamos na sua casa as 9:30h, o Marcus nos recebeu na porta, estava tranqüilo. Você estava no seu quarto, sentada na bola e apoiada na cômoda, aparentemente tranqüila, sorriu e conversou, veio uma contração e você se dedicou a ela. Neste momento estavam presentes e próximas, mas lidáveis, pois você nos recebeu, nos orientou sobre a casa, sobre as coisas na gaveta, me ofereceu uma deliciosa essência de romã, conversamos sobre as posições que você usou até ali, como sentia as contrações, se havia dormido, se alimentado, etc. Enfim, você ainda conversava, ria, reclamava.


Logo após a nossa chegada o Pedro acordou, veio até você, foi tomar café na cozinha com o pai. Sentei com eles e conversamos enquanto as parteiras se organizavam na sala e conversavam com você. Aparentemente o ritmo do TP deu uma sossegada nessa fase, até que a gente se estabelecesse na casa e você se sentisse novamente segura, então elas voltaram a ficar mais próximas e mais longas.

Sua posição preferida durante a contração era a de 4 apoios, pernas afastadas e barriga pendendo, sem balanço e sem movimentos, só respirando e esperando passar. Muitas vezes você tentou sentar, levantar, acocorar, ficar de joelhos, mas mal a contração começava, você se jogava pra frente de novo e ficava de 4. As vezes a contração era mais forte, você verbalizava, som graves, alguns ais. Mas sempre firme, apesar de começar a referir que incomodava mais a dor na perna do que a própria contração. A contração alias, era no pé da barriga e se estendia para o interior da coxa, mais pra frente, quando o banho no chuveiro aliviou um pouco a dor das contrações, você conseguiu definir melhor qual era a dor da contração que ia até a coxa e qual era a dor da perna que te acompanhou na gestação do Pedro. Você se queixava da dor, mas lidava bem com ela. Nessa fase estive sempre ao seu lado e as parteiras ficaram na cozinha, vindo de vez em quando para ouvir o BCF e dar uma olhadinha em você.


De quando chegamos até as 11h, você ficou bem. Pedro ficou tranqüilo, brincando com a gente, solto pela casa. O Marcus ainda estava mais preocupado com o Pedro do que em ficar perto de você. Mas aí você foi para o chuveiro, onde joguei algumas gotas do óleo essencial de funcho doce e então ele foi ficar junto, ainda do lado de fora. O Pedro pediu pra sair, eu fui com ele pro quarto, brincamos de carrinho, depois ele quis ir para o quintal, fizemos bolinha de sabão, brincamos com gravetos e conchinhas. Ele ia e voltava do banheiro, e você no chuveiro, já começava a vocalizar mais firmemente, mas também gostou de estar ali ajoelhada na água quentinha, apesar do espaço limitado.

Não lembro a hora que você decidiu sair do chuveiro, mas fora dele as contrações eram bem mais intensas, andar era impossível, nem a bola você aceitava mais. A perna incomodava muito e infelizmente ninguém pensou em oferecer um analgésico comum nessa hora, para aliviar ao menos essa dor que não era do TP. Não houve espaço para muita massagem, uma vez que a dor era na barriga e ela se tornou intocável. Então permanecemos ao seu lado, dizendo eventualmente que estava tudo bem, que era só mais uma contração, pra você descansar na próxima, oferecemos água e frutas, pão, você não aceitou nada, só água algumas vezes. De joelhos na cama, você disse ter percebido que a dor da contração estava mais centrada na barriga agora, mas por outro lado a dor da perna era mais intensa, então tentamos aliviar com a compressa quente. O que aparentemente foi bom, mas em algumas contrações você começou a se queixar da dor, que não a queria mais, que estava difícil, que você ia desistir.

Ficamos um bom tempo nessa “briga”, entre tentar novas posições, tentar te animar e você dizendo que não, que já tinha dado, que você queria sair dali, queria ir pro hospital e queria cesárea. Não foi só uma ideia que passou pela sua cabeça, ela passou por você toda, pela sua boca e pelo seu medo. Então você disse que não ia suportar mais aquilo, por que não ia acabar nunca, que se estava assim agora (esse agora alias era um momento que a gente nem sabia qual né?), como estaria no final. Lembrei você que não ficaria pior do que estava e que o expulsivo não era a parte mais dolorida do parto, com a voz mimada típica dessa fase do “quero desistir” você disse que ia sim, perguntei se você confiava em mim e você disse “não mais”...rs Então você saiu da cama para tentar mais uma posição, ficou de joelhos no chão ao pé da cama e olhou pra gente com a cara mais seria do mundo e jurou de pé junto que era impossível continuar com aquilo, que a gente tinha que entender que não dava mais e que você estava muito consciente enquanto falava. A Lia respondeu algo usando seu gancho “então já que você esta consciente” e eu não lembro exatamente o que foi, mas acho que te assegurou que estava tudo bem e que a gente faria o que você quisesse, mas que sabíamos que não era isso. E eu disse que todas nos conhecíamos a sua historia, a gente sabia qual era a sua dor de verdade e que só queríamos evitar que você passasse por ela de novo. E sugeri então, em acordo com a equipe, que você deixasse elas te avaliarem, se a dilatação estivesse avançada, a gente ficava e se esforçava pra te ajudar a passar por elas e que se estive pouca, perto dos 3, 4 cm, a gente ainda ia negociar um tempo pra ficar em casa, pra não decidir ir pro hospital assim, de supetão, por que afinal em uma hora muita coisa pode acontecer. Você concordou, deitou na cama e permitiu o toque.

Todos estavam no quarto nessa hora e eu sai, não sei se fui atras do Pedro, tomar água ou ver a hora, mas quando voltei a cara de todo mundo era de animação e você estava indo pro banheiro. Passei pela equipe e me disseram: 7cm! Fui com você ao WC e você sentou no vaso, pois ainda sai bastante tampão ou podia ser um pedaço da membrana da bolsa também, daí você me olho e disse: nossa, 7cm, fiquei muuuuito feliz agora, eu tava com muito medo que estivesse em 3cm ainda e sorriu mole, de olhos fechados. E foi acordado entre todos que você deveria voltar ao chuveiro, pois foi onde se sentiu melhor e também por que assim as contrações ficavam mais espaçadas e você teria mais tempo para descansar e a Elis pra descer. Eram 13h e foi quando você me permitiu avisar as “Mamadonas” que já estavam enlouquecidas, embora soubessem que o TP tinha começado e que nós estávamos na sua casa desde cedo.

A partir daqui nós deixamos você mais sozinha, Pedro foi para a casa dos avós e o Marcus assumiu o lugar dele no box com você. Joguei mais umas gotas de funcho no box e coloquei o difusor com funcho no WC também. De vez em quando uma de nós ia lá ver se estava tudo bem, você pedia água ou falava alguma coisa e a gente logo saia. Foi quando almoçamos, chegaram Larissa e Carol e quando as suas vocalizações ficaram mais intensas. Larissa ficou com vocês no banheiro e nós todas no quarto, esperando e fofocando. Fui lá perguntar se tinha um espelho que pudéssemos usar pra você ver o expulsivo e você ficou “brava” , dizendo antes que eu perguntasse “nem vem, que eu não vou sair daqui!” , “calma mulher, só quero saber onde tem espelho”...rs Mas a dor da perna estava mesmo te incomodando muito, você disse que a dor do TP não era nada em comparação a essa dor da perna e eu tentei sugerir que você ficasse em outra posição ali mesmo, por que fazia mais de uma hora que você estava sentada no chão. Você não quis.

De repente a vocalização ficou mais forte. Estilo puxo mesmo e todas silenciaram: ó...! Fui lá, abri a porta do box e fiquei te observando. Você estava sentada no chão, com as pernas abertas, o bumbum um pouco pra frente de forma que era possível visualizar a vulva se pronunciando a cada contração, o Marcus na sua frente, sentado na banquetinha segurando suas mãos, te animando e se deixando animar também, a cada contração, percebendo que ela estava vindo, seu corpo mostrava isso. Todos vieram te ver e decidimos colocar a banqueta pra você se acomodar melhor, na tentativa de que a banqueta sustentasse melhor a sua perna dolorida. Não saímos mais dali, a Larissa ficou na porta do box fotografando, foram algumas contrações até eu decidir gravar o áudio dos seus puxos. Eles eram violentos, guturais, mulher  da caverna total, apertava a mão do Marcus muito, muito forte, empurrando o corpo pra trás.

Ele queria pegar a Elis, mas não tinha como soltar suas mãos, então a Regina entrou no box com vocês.
Foram dois áudios e um vídeo desse finalzinho, Elis vindo e voltando e você se espremendo, obedecendo sua vontade de gritar. Então a cabeça dela já estava quase toda para fora, a Regina acariciou o cocuruto e disse pra você fazer o mesmo. Mais duas contrações e saiu Elis todinha, muito lambrecada de vernix, escorregadia, grandona, toda fofa, com dobrinhas nas costas! Mas so vi isso tudo depois ne? Por que eu estava do lado de fora, filmando por cima do box com o celular. Alegria geral, parei de filmar e fiz mais um áudio, primeiro chorinho dela.

Ela nasceu as 14:58h, confirmei nos vídeos depois.

Primeiros atendimentos prestados ali mesmo, Elis enroladinha, coleta do sangue do cordão, toalha pro Marcus se secar, todos esperando a placenta e ela nada. O sangramento nessa hora provavelmente era das lacerações, formaram imensos coágulos que quase entupiram o ralo depois. Elis não mamou, mas ficou aconchegada. Marcus saiu do banheiro, pegou Elis e quando você quis fazer o mesmo, desmaiou. Ele passou ela pra mim e foi ajudar as parteiras a levantar você e depois a te tirar do banheiro. Enquanto isso trocamos os panos que a aqueciam e a pesamos: 4,310gr. Elis ficou enrolada nos panos secos, no meu colo, tapando o rosto com as mãos e resmungando baixinho, até você vir pro quarto e o procedimento pra dequitação da placenta continuar, então a Regina pegou ela pra medir PC PT e PA e a colocou mais perto de você na tentativa de que mamando ajudasse a placenta. Ficaram bastante tempo tentando e depois que ela saiu e foram suturar as lacerações, eu fiquei zanzando pelo WC e quarto, arrumando a bagunça. Esse momento que costuma ser tranqüilo, continuou “tenso”, pois a contração vinha forte pra dequitação e a perna doía, depois na sutura a mesma coisa, a perna incomodando ainda. Mas você bem mais disposta, já conversando e reclamando, segurando Elis e atenta a tudo. Fiz o print da placenta nesse momento. Antes do print, Larissa e Carol foram embora. Nada, absolutamente nada, desabona a conduta de ambas.

Depois de tudo finalizado, você já limpa e arrumada, sentada na cama com a pequena (só que grande) no colo, tentando mamar, chegaram os primeiros familiares trazendo Pedro pra conhecer a irmã, foram discretos e rápidos, não vi o momento em que o Pedro viu a Elis, mas ele quis voltar pra casa da vó. As parteiras fizeram a declaração do nascimento no seu computador enquanto a gente conversava no quarto, tiramos fotos de vocês três, achei lindas por sinal... Você falou do medo de não dar certo, de como esse parto serviria de incentivo para outras pessoas, de como não esperava que fosse tãaaaao intenso assim, mas enfim... que estava feliz, que foi bom, que você conseguiu... Lembrei agora que teve uma hora no TP que eu te disse que a gente devia tomar cuidado com o que deseja, por que como eu, você desejou TUDO e o tudo veio, com força total...

Depois chamei todo mundo pra tirar foto junto e nos despedimos em seguida."

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