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Nós, médicos humanistas, enfermeiras-obstetras e
obstetrizes, todos os profissionais, entidades civis, movimentos sociais e
usuárias envolvidos com a Humanização da Assistência ao Parto e Nascimento no
Brasil, vimos através desta presente Carta manifestar o nosso repúdio à
arbitrária decisão do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ)
de encaminhar denúncia contra o médico e professor da Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP) Jorge Kuhn, por ter se pronunciado favoravelmente em
relação ao parto domiciliar em recente reportagem divulgada pelo Programa
Fantástico, da TV Globo.
Acreditamos estar vivenciando um momento em que nós todos,
que atendemos partos dentro de um paradigma centrado na pessoa e com
embasamento científico, estamos provocando a reação violenta dos setores mais
conservadores da Medicina. Pior: uma parcela da corporação médica está
mostrando sua face mais autoritária e violenta, ao atacar um dos direitos mais
fundamentais do cidadão: o direito de livre expressão. Nem nos momentos mais
sombrios da ditadura militar tivemos exemplos tão claros do cerceamento à
liberdade como nesse episódio. Médicos (como no recente caso no Espírito Santo)
podem ir aos jornais bradar abertamente sua escolha pela cesariana, cirurgia da
qual nos envergonhamos de ser os campeões mundiais e que comprovadamente produz
malefícios para o binômio mãebebê em curto, médio e longo prazo. No entanto,
não há nenhuma palavra de censura contra médicos que ESCOLHEM colocar suas
pacientes em risco deliberado através de uma grande cirurgia desprovida de
justificativas clínicas. Bastou, porém, que um médico de reconhecida qualidade
profissional se manifestasse sobre um procedimento que a Medicina Baseada em
Evidências COMPROVA ser seguro para que o lado mais sombrio da corporação
médica se evidenciasse.
Não é possível admitir o arbítrio e calar-se diante de
tamanha ofensa ao direito individual. Não é admissível que uma corporação
persiga profissionais por se manifestarem abertamente sobre um procedimento que
é realizado no mundo inteiro e com resultados excelentes. A sociedade civil
precisa reagir contra os interesses obscuros que motivam tais iniciativas.
Calar a boca das mulheres, impedindo que elas escolham o lugar onde terão seus
filhos é uma atitude inaceitável e fere os princípios básicos de autonomia.
Neste momento em que o Brasil ultrapassa inaceitáveis 50% de
cesarianas, sendo mais de 80% no setor privado, em que a violência
institucional leva à agressão de mais de 25% das mulheres durante o parto, em
vez de se posicionar veementemente contrários a essas taxas absurdas, conselhos
e sociedades continuam fingindo que as ignoram, ou pior, as acobertam e
defendem esse modelo violento e autoritário que resulta no chamado
"Paradoxo Perinatal Brasileiro". O uso abusivo da tecnologia
contrasta com taxas gritantemente elevadas de mortalidade materna e perinatal,
isso em um País onde 98% dos partos são hospitalares!
Escolher o local de parto é um DIREITO humano reprodutivo e
sexual, defendido pelas grandes democracias do planeta. Agredir os médicos que
se posicionam a favor da liberdade de escolha é violar os mais sagrados
preceitos do estado de direito e da democracia. Ao invés de atacar e agredir,
os conselhos de medicina deveriam estar ao lado dos profissionais que defendem
essa liberdade, vez que é função da boa Medicina o estímulo a uma "saúde social",
onde a democracia e a liberdade sejam os únicos padrões aceitáveis de bem
estar.
Não podemos nos omitir e nos tornar cúmplices dessa
situação. É hora de rever conceitos, de reagir contra o cerceamento e a
perseguição que vêm sofrendo os profissionais humanistas. Se o CREMERJ insiste
em manter essa postura autoritária e persecutória, esperamos que pelo menos o
Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) possa responder com
dignidade, resgatando sua função maior, que é o compromisso com a saúde da
população.
Não admitimos, não permitiremos que o nosso colega Jorge
Kuhn seja constrangido, ameaçado ou punido. Ao mesmo tempo em que redigimos
esta Carta aberta, aproveitamos para encaminhar ao CREMERJ, ao CREMESP e ao
Conselho Federal de Medicina (CFM) nossa Petição Pública em prol de um debate
cientificamente fundamentado sobre o local do parto. Esse manifesto, assinado
por milhares de pessoas, dentre os quais médicos e professores de renome
nacional e internacional, deve ser levado ao conhecimento dos senhores
Conselheiros e da sociedade. Todos têm o direito de conhecer quais evidências
apoiariam as escolhas do parto domiciliar ou as afirmações de que esse é
arriscado – se é que as há.
(Por Melania Amorim)
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