A escolha
Não escolhemos o parto domiciliar. Ele nos escolheu. Depois
de passar por uma desnecesárea e ter a cicatriz na alma que nunca fechou, fomos
a um encontro de gestantes do
Maternati e após ouvir vários relatos de parto, sentenciei
para o marido: nosso próximo filho nascerá em casa. Não estava grávida, ainda e
ele não teve opção. Ainda tinha algumas inseguranças, mas estava certo e com o
tempo, foi ficando mais à vontade com a ideia.
Apenas nascendo em casa, poderíamos garantir respeito e
liberdade para a nossa filha e para a gente. Além disso, temos um mais velho.
Ficar dois a três dias sem o Pedro não me agradava. Um novo integrante da
família precisa ser celebrado por todos.
Quando soube do exame positivo, avisei o Marcus, a doula e a
parteira. Nessa ordem. Descobrimos bem no comecinho e ainda teríamos muito
tempo, mas a meta desta vez foi não repetir erros. Precisava garantir nosso dia
P.
Apoio
Diferentemente da primeira vez, não fizemos questão de sair
contando sobre nossas opções. A princípio o parto seria em Maringá, pois estava
consultando com o Edson Rudey, que abraçou a causa do PN em na cidade. Já
começamos as consultas para “sondar o terreno” desde antes de engravidar, para
garantir. Mas então... o parto seria em Maringá, na casa da Priscila, nossa
amiga-irmã. A princípio ficava mais a vontade com essa opção, porque SE
precisasse de hospitalização durante o PD, poderia contar com uma estrutura e
profissionais que me passavam mais segurança.
Acontece que lá pelas tantas, comecei a ficar encanada com a
ideia de parir na casa alheia. Não sabia se o Pedro ficaria suficientemente à
vontade, nem a gente. Então decidimos ir atrás de um obstetra para ser o plano
B aqui em Campo Mourão. As perspectivas não eram das melhores, mas resolvemos
dar mais uma chance. Eis que um dia, estávamos na sala de espera do consultório
da pediatra do Pedro (que quase nunca precisa de médico, então acredito que foi
um sinal, mesmo) e abro uma dessas revistas de artigos médicos da região. O
título estava lá: “Parto normal é normal”. O que? Uma profissional daqui
escrevendo algo assim? Gelei. Ri. Mostrei para o Marcus e resolvemos marcar uma
consulta para a tal Carolina Ferrari.
Fomos munidos de um roteiro com temas que seriam
aprofundados de acordo com o que sentíssemos dela. Contar que seria um parto
domiciliar era a cereja do bolo, só se ela merecesse, heheheh Daí ouvimos
algumas coisas que nos deixaram mega bobos, como:
* “Gosto de fazer parto normal. Às vezes a mulher chega ao
plantão querendo cesariana, mas pergunto por que sendo que está tudo certo e dá
para fazer normal.”
* “Meus colegas até questionam minha postura, mas eles que
fiquem com a parcela de quem quer cesárea. Eu vou ficar com as pacientes que
querem parto normal.”
* “Episiotomia só na hora que o neném está saindo. Mas é
coisa de no máximo 50% dos casos (ainda achei meio muito, mas vá lá...)”.
* Falei da preparação do períneo, justamente para evitar a
episio e laceração, ela falou que acha ótimo e ainda recomenda atividade
física, porque o trabalho de parto é um TRABALHO, é uma atividade física
intensa e precisa de resistência.
* Em nenhum momento veio com terrorismo de ruptura uterina
quando falei que teria um vbac.
Depois dessas maravilhas que nos pegaram totalmente
desprevenidos, acabamos abrindo o jogo sobre o PD. O rosto dela se iluminou e
perguntou se poderia estar presente, como “visita”. Pois seria o primeiro parto
domiciliar moderno na cidade. Saímos do consultório bobos. Rindo que nem
criança. Era o apoio que precisávamos. Poderíamos receber a nossa filha no
nosso ninho e ainda contar com alguém que nos passava confiança, se precisássemos
ir para o hospital.
Mais um filho
Na retomada dos estudos de preparação para o nascimento da
Elis, acabei me deparando com muita coisa que me fizeram ter certeza que a
cesárea que trouxe o Pedro ao mundo foi desnecessária. Durante esse processo
doloroso, conversando com doulas de Maringá que são frequentemente procuradas
por mulheres de Campo Mourão que buscam PN, acabei criando um grupo no Facebook
para discutirmos e ampliarmos o acesso às informações que gostaríamos de ter
tido há dois anos atrás. Nasceu o
Parir com respeito – Campo Mourão.
Por meio desse grupo conheci pessoas muito especiais, que
nos ajudaram e a quem pudemos ajudar. Acho que conseguimos “salvar” umas duas mães
de desnecesáreas. Isso tudo fez uma grande diferença lá no nosso trabalho de
parto.
Vem, Elis!
Daí que desde o começo, não tinha certeza da data da última
menstruação. Foi meio no chute. Seguíamos a data provável de parto indicada
pela primeira ultra sonografia. Mas tinha uma suspeita que a Elis viria antes
disso. A gestação correu tudo bem. Lá pela 34 semana comecei com a pequena
neura de ela não inventar de nascer antes da hora, porque partos domiciliares
só são possíveis em casos de baixo risco, inclusive nenéns a termo. Mas daí
chegou a 38 semana e fiquei tranquila. Todos os tramites certos (no caso do PD,
os pais tem que ir atrás de fazer o registro na secretaria de saúde, os exames
de sangue logo que nasce e mais algumas coisinhas). Era só ela resolver chegar.
Eu achava/queria que fosse todos os dias, então nem acreditava mais na
intuição.
As contrações de treinamento que tinham aparecido desde a 30
semana, estavam muito fortes na noite do dia 7 de julho. Chegavam a incomodar
enquanto lavava a louça do jantar. A barriga ficava muito bicuda. Na hora de
dormir, senti uma inquietação muito louca. Não sei explicar direito, mas sabe
aquela sensação de quando algo muito bom está para acontecer? Tentei não ficar
impressionada. Acabei indo dormir meia noite. 1h40 acordei com uma suspeita que
a bolsa tinha estourado. Como estava usando absorvente fininho, não dava para
ter certeza. Pareceu que não. Às 3h30 levantei novamente com a mesma suspeita.
Quando sentei na privada, um líquido meio rosadinho. Bingo! Bolsa rota!
Avisei a equipe. 3h49 veio a primeira contração. Não
esperava que seria tão rápido. Estava oficialmente “tentando dormir”. Mas elas
vinham com uns 10 minutos de intervalo. Perto das 6h desisti de dormir e fui
tomar café da manhã. Estava tudo muito rápido. Melhor comer enquanto ainda
conseguia. A cada 2 minutos, precisava agachar.
As 8h acordei o Marcus, que dormia com o mais velho. Lá pelas 9h30
chegaram as enfermeiras obstetras e a doula, Patrícia. Eu em quatro apoios e
respirando muito fundo, já. Quando vi a Patrícia foi muito bom. Ela foi a
pessoa com quem pudemos contar desde o começo, na gravidez do Pedro. Deu
vontadinha de chorar, mas daí veio uma contração e passou, hehehe
O bicho pegava no pé da barriga e aquela dor na perna que
ficou sob controle nos nove meses, resolveu dar o ar da graça em pleno tp.
Quando a barriga doía, parecia que dava um nó na parte interna da coxa e essa
dor na virilha/coxa era muito pior que a da barriga. As coisas foram ficando
intensas e comecei a pensar “Por que fui inventar tudo isso?”. Estava bem ruim.
Vinha à cabeça aquela frase didática sobre parto humanizado: “métodos não
farmacologicos para lidar com a dor”. Cadê esses métodos quando a gente
precisa? Nada aliviava a dor na perna. Eu que achei que iria passar o tp quieta
já vocalizava há algum tempo. Lembrei, também, da Juliana que pariu esses tempos e foi sem dor (nem perceber que estava em tp) até os 7cm. Invejei fortemente.
Sem posição que ajudasse. Até queria saber como
estava de dilatação, mas tinha medo de pedir o exame de toque e ouvir “3cm”.
Seria um balde de água fria. Mas foi. E não é que já estávamos em 7cm?
Foi muito bom ouvir isso. Um pouco antes juro que tinha
cogitado cesárea. Mas sabe aquele tipo de coisa que você fala da boca pra fora?
Pensava em quantas pessoas torciam pelo nosso parto, em como poderia ser
inspirador para outras conhecerem um parto domiciliar, na nossa luta por um
atendimento digno e humano desde o Pedro, que precisava quebrar uma tradição de partos ruins ou desinformados da minha família... não seria justo desistir naquela
hora. Ok. Mais dois centímetros. Quero voltar para o chuveiro, mesmo com medo
de atrasar tudo. A água quente aliviava um pouco a perna e a barriga.
Acho que fiquei umas três horas ali. O Marcus, que no começo
se dividiu entre cuidar do Pedro e me dar apoio, acabou deixando o Pedro nos
avós para se dedicar ao nosso parto. Queria nosso primeirinho por perto, mas as
coisas estavam bem punk e ele ficou meio assustado. Foi uma excelente opção.
O chuveirinho ficava sobre a minha barriga, eu sentada no
chão. O Marcus numa banquetinha na minha frente. Segurava nas mãos dele
(coitado!).
A equipe querendo que saísse daquela posição, para favorecer
a descida da Elis. Me recusava. A muito custo sentei na banqueta de parto. A contração
continuou forte, mas passei a fazer força, também. Achei que quando sentisse os
puxos (perguntei internamente por eles várias vezes), saberia identificar. Mas
não. Comecei a fazer força porque a dor na perna estava muito forte. Queria
acabar com aquilo. Ao mesmo tempo sabia que força fora de hora poderia me causar
uma laceração indevida. Simplesmente empurrei e o negócio é animalesco! A
Patrícia filmou o expulsivo e me pergunto se os vizinhos ouviram aquilo tudo.
Mas foi rápido. Coisa de 15 minutos e a Elis vlupt, escorregou.
Foi muito legal ver a reação do Marcus quando ela começou a sair. Ficou
empolgado. Achei fofo e acabei mais empolgada.
Ainda estávamos eu e o Marcus no Box e ouvi as EOS
perguntando se ele amparava a mocinha. Ele preocupado em como ia segurar minha
mão e fazer isso. Colocou mais uma toalha no chão. Acho que para o caso de ela
cair. Claro que não aconteceu. A enfermeira Regina deu um jeito de se enfiar
ali do ladinho e a segurou. Saiu, veio para o meu colo com muito vérnix.
Lisinha, gostosinha. Fiquei um pouco sem ação. Tínhamos conseguido!
O cordão quase parou de pulsar, quando foi clampeado.
Combinamos assim para colher o sangue para a tipagem e bilirrubina. Dessa forma
não seria necessário furar a Elis. O Marcus cortou. Nem tínhamos combinado, mas
na hora funcionou assim.
Para sair do banheiro, acabei desmaiando. Perdi bastante sangue
no expulsivo (não imaginava que sairia tanto assim, parecia um fígado de tanto
coágulo) e além da fatia de pão e uma xícara de café com leite, só tinha comido
uma banana. Não tinha vontade nem estomago para mais nada. Junte isso ao pouco
sono da noite e o esforço gigantesco, fica fácil a pessoa apagar. Fiquei
pensando em quem vai para o hospital e é privada de alimentação durante o TP,
além de passar as contrações deitada. Agradeci a Deus por não ter precisado
disso.
Na minha cama aguardei a saída da placenta. Sabia que seriam
contrações, mas depois que sua filha nasce, parece que toda a resistência à dor
vai embora. Achei todas muito doloridas. Ficava pedindo para tracionarem
(apesar de saber que não é o melhor caminho). Ainda bem que a equipe não dava
ouvido às minha abobrinhas. Depois de umas tantas contrações, pari a dita cuja
da placenta que pelo que contam deveria ter quase três quilos. Quase outro
neném! Hehehe
Algumas lacerações que precisaram de pontinhos. Nada grande.
Mas reclamei o tempo todo. Não queria sentir nenhuma picadinha de dor.
E assim a Elis veio ao mundo. Pontual. Com 40 semanas. As
15h do dia 8 de julho de 2014. Após quase 12h de trabalho de parto. Pesando
4.310kg e medindo 50cm de puro amor. Nasceu, foi pro colo, mas não quis mamar.
Ficou ali curtindo a água do chuveiro de olhos abertos.
E o Pedro? No age dos seus 2 anos e 3 meses de idade está
sendo um irmãozão. Faz carinho na Elis, compara o tamanho da mãozinha dela e da
dele, imita ela mamando... um lindo!
Se da outra vez faltou apoio, desta tivemos de monte, mas não ficamos parados e esperando por ele. Buscamos com muita persistência e utilizamos todas as ferramentas e informações que tínhamos:
Marcus – meu super marido que embarcou nessa incrível
jornada com muita paciência e disposição (porque ficar aguentando mimimi de
grávida às vezes enche o saco).
Patrícia, nossa doula – primeira pessoa a quem recorri
quando descobri a primeira gravidez. Responsável por derrubar os nossos mitos e
mostrar que para parir tem que ser muito forte para lidar com um sistema
corrompido, mas que é possível e nunca desistiu da gente.
Priscila, Eliane e Regina, nossas enfermeiras obstetras da
Semilla parto hospitalar e domiciliar – profissionais incríveis que trabalham
com discrição e amor na medida certa. Possibilitaram viver tudo isso no
aconchego do nosso lar e são peças importantíssimas na humanização do
nascimento na região.
Carolina Ferrari, nossa GO em Campo Mourão – a incrível
surpresa da nossa gestação. Acompanhou parte do nosso parto realmente como
visita e fiquei extremamente feliz de vê-la aqui, sonhando com muitos nascimentos
que poderiam ser ainda mais respeitados a partir de então. Pelo jeito gostou
tanto da experiência quanto a gente. Mandou até recadinho: “Por favor mencione que foi o primeiro parto
domiciliar que eu assisti e achei maravilhoso. Passei tantos anos estudando pra
fazer uma coisa que as mulheres podem fazer sozinhas. Porque foi exatamente o
que eu percebi ontem.” Como não amar???
Edson Rudey, nosso GO em Maringá – com quem continuamos o pré
natal até o final (já que a Carolina ainda não atendia pelo nosso plano de
saúde). Me fez sentir muito respeitada a cada consulta. Sem stresses, mitos ou
apavoramentos. Fazia os exames necessários e nos acolhia, sempre dando apoio ao
parto domiciliar.
Amigas Mamadonas e Priscila – pelo eterno apoio. Priscila e
Melina compartilhando suas lindas experiências e Marcela e Anamaria me dando
forças para seguir como exemplo.
Larissa Bortoli – nossa fotografa que foi apresentada (meio
bruscamente) a um parto justamente com o nosso. Foi discreta e conseguiu captar
o momento que foi único, já que a produção foi encerrada por aqui.
Elis, nossa xuxuzinha – por ter participado linda e
ativamente dessa jornada. Em muitos momentos pedi desculpa a ela porque me
sentia dividida entre a necessidade de ter outro filho ou parir. Mas sei que
ela entendeu e apoiou ;)